Thursday, December 29, 2005

Semblantes


Num caminho de terra batida cor de olhos brilhantes, o sol desenhava as formas das árvores numa sombra de sorrisos, frescos como uma brisa de verão. Ao fundo ouviam-se ondas a acariciar as rochas nos penhascos da saudade, e os semblantes com canas de pesca passavam o tempo a falar do passado, e da sua juventude. Diz-se que a crise está à porta, e que a nova geração só pensa em sexo e drogas, e que a vida para eles é só musicas malucas e discotecas e bebidas estranhas, e que nunca virão a ser as pessoas que eles e que os seus pais eram. Dizem os negros vultos do alto do penhasco que é a geração rasca que governa o país, que tudo está mal e que antigamente é que era.
Ideias e ideais à parte, as crianças brincavam num abraço já fechado da noite, à luz dos modernos lampiões eléctricos, aos quais os velhos não se habituam. Elas jogam à bola, e as pedras fazem de balizas, e as mães a ralharem à porta por estarem a jogar com os ténis novos, acabadinhos de comprar, ou com os sapatos que tinham de levar ao casamento da prima da mãe.
E à medida que o sol se escondia por tras do horizonte, aparecia a timida lua, que espreitava o mundo para ver se o caminho estava livre, e se já podia aparecer no meio da escuridão, dando-nos um ar da sua graça e um pouco da luz que roubara ao sol, visto este ter tanta e como não é o Ebenezer Scrooge, ele a partilhava a todos os seres vivos e todos os inanimados, porque ele também nunca pertenceu ao KKK, nem aos arianos puritanos, nem nada parecido.
Vejo isto tudo da minha casa encantada que fica na segunda curva do arco-íris, e vejo muito mais, mas isso é outra história.
*O lobo...*

Thursday, December 15, 2005

(so)nhar


Parece que o sonho nasceu em nós, como nascemos com uma boca, dois olhos e um nariz.
Há uns que passam a vida a sonhar, parece que para esses o sonho é maior que a terra debaixo dos pés ou que o sol depois de um tempo chuvoso. Alimentam-se da esperança que o mal vai passar, que um dia viveremos debaixo do arco-íris com muitas cores por cima das nossas cabeças, como se, de facto, pudessemos colorir a mente apenas com as cores do arco-íris. Apenas com o colorido que se obtem dos sonhos.
Outros afirmam que o sonho é pura ilusão de óptica e não vale a pena passarmos o dia perdidos entre nuvens de algodão doce e pratos de magia servida inesperadamente como gotas de surpresa.
Temos fases. Um dia somos membros acérrimos do clube do sonho, noutra fase somos simplesmente uns valentes cépticos.
Temos mesmo até minutos. Curtos demais para se chamar fases e longos demais para passarem incólumes. Acabamos por querer viver num sonho, mas a realidade dura e cruel bate três vezes como as pancadas de Molière no teatro, e despertamos subitamente sem muito mais que fazer senão levantar a cabeça, lançar um suspiro prolongado no tempo, em sinal de que a reflexão chegou ao fim.
E se nos deixarmos enrolar nas asas da fantasia, é porque acreditamos que a fantasia é uma ave e tem, de facto, asas que nos transportam para onde quisermos. Desafiamos a lei da gravidade e partimos para terras distantes, armados até aos dentes daquilo a que os deuses deram o nome de: sonhos.

Monday, December 05, 2005

O sabor das letras



A vareta do chapéu de chuva partiu-se e tive de atravessar o arco-íris assim nua, com a chuva a bater-me na cara.
Não chovia muito, só o suficiente para molhar a minha cara corada da correria de atravessar este arco-íris.
Corri o mais que os meus sapatos de princesa permitiram, queria muito chegar a tempo de ver o sol nascer.
E ao fundo do horizonte via-se uma luz resplandecente, muito brilhante, muito branca, muito forte, mas que não queimava os olhos.
O sol ia nascendo, como os pequenos passarinhos que vão quebrando a casca para ver os primeiros raios de sol e dizer bom dia ao mundo.
O mundo nem sempre sorri para os passarinhos, como também nem sempre nos sorri a nós, mas os passarinhos
sabem o que fazer e sorriem ao mundo e o mundo sente-se quentinho e não consegue ficar muito tempo com má cara.
Por isso descalcei-me para conseguir acompanhar o sol enquanto se espreguiçava e cheguei ao ninho da árvore velha na esquina do lago dos cisnes e consegui ver como os passarinhos davam os bons-dias ao novo mundo que acabavam de conhecer.
Olhei os passarinhos e sorri-lhes enquanto eles me davam os bons-dias também. Eles estavam muito sorridentes e
disseram-me que a mamã deles tinha ido buscar a papinha e que vinha já. Eu respondi que ficava a tomar conta
deles até ela chegar.
Então aconcheguei-os no meu cachecol feito de algodão doce e deitei-os no colo da mãe
natureza para ela os adormecer enquanto a mãe deles ia buscar alimentos.
Então eles fecharam os seus olhinhos pequeninos e dormiram um soninho. Pareciam bonequinhos de
porcelana, não podiamos mexer muito para não partir, para não estragar. E no fim dormi com eles.
Até que apareceu o meu amor e sorriu-me de longe, eu entrei na linguagem e nos
nossos códigos de sorrisos mágicos de sonhos e de amor e sorri-lhe de volta.
O meu amor tinha me vindo buscar para irmos à terra dos sonhos com ele. Eu disse-lhe que estava a cuidar dos passarinhos e ele sorriu dizendo que a mamã deles estava quase a chegar. e sentou-se ao pé de mim à espera para irmos sonhar juntos.
Quando se gosta, espera-se.
E esperámos os dois. Mais os passarinhos.
Abraçamo-los em nós e deixamo-nos ficar até o sol acabar de abraçar o mundo. Podiamos esperar...o nosso abraço era quente e trazia muita saudade transformada em pózinhos de perlimpimpim para erradiarmos o resto do mundo com o nosso sorriso.
E no meio da magia, e do aconchego, eis que chegou a mãe dos passarinhos. E agradecendo o nosso gesto ofereceu-se para nos levar a um passeio mágico por entre as nuvens, mas nós dissemos para ela levar antes os filhotes que eram muito curiosos e tinham de conhecer tudo. E para mais nós já tinhamos planos.
Queriamos ir ver como era por trás do arco-iris e escorregar, andar a pular entre as nuvens e brincar às escondidas. Queríamos ser livres como os passarinhos e sorrir à lua que entretanto tinha aparecido na nossa frente, para nos mostrar que agora tínhamos mil e uma estrelas a dizer-nos boa noite.
E depois do querer, depois do sonhar vem o fazer, e foi o que fizemos. Cumprimentámos todas as estrelas uma a uma e fomos cear com a lua. Ela estava à nossa espera e preparou-nos um cházinho de tília com umas torradinhas de doce de amora. Depois de tudo ainda comemos uns morangos. E passamos o serão a falar dos sonhos.
Falámos do amanhã e que como não queremos deixar de sonhar juntos, de fazer o amanhã ser o agora e o agora ser já. Não queremos esperar os ciclos lunares nem mesmo os meses a passar no calendário. Mas se eles teimarem em passar, não vamos ter medo, porque sabemos que a lua estará sempre sobre a nossa cabeça e estaremos sempre no abraço contínuo da felicidade.
E é esse abraço que marca as grandes amizades e os grandes amores. E explicámos à lua que ela, juntamente com o sol, os nossos grandes amores, que sem eles não dava para estar alegre ou estar triste, e mesmo quando o céu chora estamos cá nos, pelo menos nós dois a sorrir ou a chorar mas sempre muito felizes por esperar, sempre felizes por nada em especial, e isso torna-nos especiais.
Viajado por Polly Maggoo e Wolf Spirit